Uma gestação inconstitucional: o descaminho da Lei da Gestação de Substituição

INTRODUÇÃO

Publicada em 22 de Agosto do ano passado, após uma diatribe legislativa adivinhável, que suscitaria primeiro o veto presidencial e que, depois de alterada a redação do texto, culminaria na promulgação, entrou em vigor a Lei n.º 25/2016, que regula o acesso à gestação de substituição, procedendo à terceira alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho (procriação medicamente assistida).

É uma lei polémica sobre matéria que exigia consenso alargado. Muito mais grave do que isso: é uma lei que contém inconstitucionalidades. Admito que tal só não venha sendo evidenciado porque se optou pelo não debate a seu respeito. As dores de cabeça virão à tona, decerto, à medida que se suscitem os problemas incontornáveis a que dá origem.

O objetivo deste texto não é adentrar na questão ou questões éticas e sociais subjacentes à maternidade de substituição, aqui afloradas muito brevemente. Que existem, é por demais sabido. Tão pouco pretendo obnubilar o inevitável. Ao entendimento acerca de uma lei sobre esta matéria subjaz sempre um olhar comprometido. E opto por aclarar as águas: o meu olhar é de grande apreensão, quiçá de relutância, acerca da figura em causa.

Começo por descrer da sua bondade em nome dos direitos das mulheres, tendo em conta a génese histórica da prática e a realidade da sua aplicação no nosso tempo. A maternidade de substituição começou por ser uma filigrana da escravatura feminina – a escrava podia gerar os filhos da mulher infértil e estes eram tidos como filhos do casal porque ela, a mãe biológica, não era um ser humano, mas um objeto, no caso, um objeto reprodutivo; e ambas, ama e escrava, não passavam de pessoas humilhadas na sua condição feminina. E, em tempos recentes, a maternidade de substituição utiliza o corpo e a alma de mulheres socialmente menos favorecidas, revoltantemente mal pagas para este efeito. É paradigmático o caso da Índia, onde existem autênticos viveiros humanos destinados à finalidade – gerar crianças em benefício de terceiros. Escreveu Bindel, Julie, depois de visitar locais onde a prática se realiza naquele país: «Ouvi vários relatos de casos de mulheres forçadas a proceder à maternidade de substituição pelos maridos ou proxenetas…». Por outro lado, só escondendo a cabeça na areia não se adivinha que a maternidade de substituição potencia o tráfico de mulheres e crianças do sexo feminino também para este fim.